![](https://filialbhrc.org.br/wp-content/uploads/2023/11/Imagem-post-blog-1.jpg)
14 Nov Análise filosófica e espiritualista da obra ‘O Quinze’. ” Resenha do livro O Quinze, de Rachel de Queiroz.
O Quinze foi publicado pela primeira vez, em 1930. Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza, Ceará, no dia 27 de novembro de 1910 e faleceu no Rio de Janeiro, em 4 de novembro de 2003. Autora de destaque na ficção social nordestina, ainda foi tradutora, romancista, jornalista, cronista e importante dramaturga brasileira, sendo a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, em 1977, e a receber o Prêmio Camões.
O Quinze foi escrito pela autora aos 19 anos e o título da obra faz referência ao ano de 1915, período em que o sertão cearense estava sendo castigado por uma das piores secas da história nordestina.
A trama é dividida entre o campo e a cidade tendo a seca como panorama que liga as duas realidades. Apresenta a personagem Conceição, professora culta e independente, órfã criada pela avó Inácia que, em certo momento, demonstra interesse pelo primo Vicente, proprietário de terra que luta contra a seca e se dedica a cuidar da avó e ajudar os flagelados abrigados no campo de concentração. Pelo cunho espiritualista, todos os espíritos encarnados têm seu livre-arbítrio. No plano astral, os espíritos escolhem sua trajetória evolutiva para a próxima encarnação: escolhem a nação, os pais, a profissão, de que forma a poder desenvolver melhor seus atributos e faculdades, aprimorando o que já vem sendo feito de encarnação em encarnação. No caso de Conceição, a escolha não foi a de permanecer com os pais, mas eles foram a base para chegar até sua avó com quem teria a oportunidade de desenvolver sua verdadeira vocação: ser professora e militante das causas sociais.
O interesse de Conceição por Vicente não foi adiante em consequência, sobretudo, de visões diferentes de mundo. Vicente não valorizava o estudo, entendia que o aprendizado tornava as pessoas “topetudas”. Seu irmão era médico e, segundo ele, se tornou “o todo poderoso”. As opiniões do vaqueiro iam de encontro ao pensamento de liberdade de Conceição e de suas atitudes feministas e socialistas. As leis que regem o universo são naturais e imutáveis. Nada acontece por acaso, em tudo existe uma finalidade. Duas pessoas se encontram com o propósito de uma ajudar a outra em sua evolução espiritual. Quando isso não ocorre, por alguma razão, constatase que a relação não seria concretizada, pois um atrapalharia a evolução do outro.
Conceição morava em Fortaleza, mas durante as férias escolares viajava para Quixadá, cidade da sua avó. Insistia para que Inácia fosse morar com ela, na cidade, mas a avó gostava do interior, de sua casa. A vontade de mudar de casa, de cidade, vem com o espírito assim que ele encarna, faz parte da trajetória evolucional definida.
Conceição era madrinha de um dos 5 filhos do vaqueiro Chico Bento e de Cordulina. Nessa época era comum que empregados e pessoas pobres dessem aos ricos proprietários, seus filhos para batismo, como segurança, no caso de acontecer algum infortúnio aos pais. Em caso de necessidade e a pedido das madrinhas, os retirantes deixavam seus filhos e seguiam em frente. Nessa situação, tendo em vista a proteção da prole, os pais optam por entrega-los, diante da possibilidade de salvação do filho, manifestando amor incondicional.
Com a chegada da seca, a vida dos moradores da pequena região interiorana de Quixadá se transforma. As pessoas morrem sem alimento e água, o gado fica sem pasto e à mingua. Rezas diárias são feitas a São José invocando a chuva para socorrer a população, mas ela não vem. Começa a retirada de pessoas necessitadas rumo a Fortaleza e a outros campos de concentração feitos pelo governo, para abrigar retirantes da seca. Diante de tragédias, as pessoas se apegam a santos e divindades, esperando que um milagre aconteça, mas milagres não existem. Não tentam resolver a questão de forma racional como, em tempos de chuva, plantar árvores que retêm a água e podem ser usadas durante a seca e açudes ou cisternas que recolhem e armazenam a água da chuva.
Os retirantes, representados pelo vaqueiro Chico Bento, que foi dispensado de seus serviços na fazenda, por Dona Maroca, que sem mais o que dar ao gado, abriu as porteiras; recebeu em pagamento: ”um boiote, uma vaca solteira, um garrote e a roupa de couro que usava”. O retirante vendeu tudo por uma ninharia a Vicente, que resolveu comprar a mercadoria ao ver o sofrimento do vaqueiro, já que a seca matava tudo o que era vivo e com ele não seria diferente. A esperança não morre nunca e as mudanças são muitas vezes necessárias para provar que somos fortes para vencer obstáculos e melhorar nossa evolução espiritual. A dor desperta para o real sentido da vida.
Vicente resolveu ficar e enfrentar a seca. Tia Inácia seguiu para a cidade com Conceição. O vaqueiro Chico Bento foi em busca de uma passagem até Fortaleza, mas lhe foi dito que todas já tinham sido distribuídas. Na verdade, a corrupção já existia e quem pagasse mais, levava as passagens que deveriam ser gratuitas. Pela Lei de Causa e Efeito, tudo o que se faz de errado será pago quando estivermos resgatando nossos débitos. Essa lei representa nossa própria consciência e é insubornável.
Sem alternativa, Chico Bento e sua família resolvem ir a pé até Fortaleza, levando pouca comida e enfrentando o sol forte e a secura. Cordulina carregava uma das crianças no colo e as outras quatro iam caminhando. No meio do caminho encontraram retirantes prestes a comer um boi podre, disputado com os urubus. O coração de Chico Bento doeu e mesmo sabendo das necessidades que iria passar, dividiu com eles a comida que trazia para seu sustento e de seus filhos. As boas ações que praticamos representam um avanço na trajetória espiritual. Muitas agruras são diminuídas quando exercemos a nossa vontade para o bem. No caminho, morto de fome, um de seus filhos, Josias, arranca do chão uma raiz de mandioca brava e a come crua. Daí, morre por envenenamento não terminando sua jornada. Cada pessoa planeja sua trajetória, às vezes abortadas antes de chegar à velhice, outras vezes, abreviadas pelas próprias circunstâncias. Faminto, Chico Bento mata um animal e é pego pelo dono, que o arranca de suas mãos cheias de sangue. Diante da súplica do retirante, recebe um punhado de tripa que serve de alimento a todos. Passou pela sua cabeça matar o homem e ficar com a carne para alimentar sua família, mas faltou-lhe forças para isso, então, se contentou com o que ganhara. O astral inferior encontra espaço para agir diante do sofrimento e da fraqueza causada pelo desespero, jogando a pessoa no fundo do poço. Pedro, o filho mais velho de Chico Bento, some da vista dos pais. Eles o procuram e batem na porta de uma casa procurando o delegado, que reconhece o amigo Chico e oferece a todos comida, roupas e passagens para o campo de concentração. Lá chegando encontra Conceição que lhes arruma um lugar melhor para morar. Através de uma carta do Bispo e outra de Conceição, Chico consegue um emprego, mas pouco tempo depois, a obra termina e ele não arranja outro, e percebe que muitas pessoas estão sem trabalho e morrendo de fome. Conceição pede que deixem seu afilhado, Duca, para ela criar e a família consente, seguindo para São Paulo. Desigualdades e dramas humanos poderiam ser minorados, se as políticas públicas repartissem melhor a renda. Naquela época, como nos dias de hoje, o dinheiro comprava tudo: adquire-se medicamentos mais rápido, abre todas as portas. A chuva chegou em dezembro. Dona Inácia retornou à fazenda. Vicente conseguiu salvar algumas reses e recomeçar a jornada em uma região caracterizada pela desigualdade social. O tempo é sempre determinante. Nada dura para sempre. Somos cíclicos. Temos jornadas a serem concluídas e vencemos nossas batalhas quando atingimos nossos objetivos.
É um ótimo romance, que deveria ser lido por todos. Existem muitas semelhanças entre a obra de Rachel de Queiroz e vidas secas, de Graciliano Ramos, envolvendo a seca e a luta pela sobrevivência num meio hostil, com uma dura crítica social acerca das dificuldades encontradas por uma família pobre de retirantes nordestinos.
Por Emilce Maria. Equipe de Pesquisa do Racionalismo Cristão, Filial BH. (Outubro 2023).
REFERÊNCIAS
AMORIM, José Maria Braga de. Psiquismo Prático do Racionalismo Cristão. Belém do Pará/Belo Horizonte: Centro Redentor, 1995.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT NBR 6028: resumo, resenha e recensão: apresentação. OLIVEIRA, Jurandir. Filme: o quinze. [longa metragem]. Ceará: Produtora Letícia Menescal, 2004.
QUEIROZ, Rachel (1910-2003). O quinze. [recurso eletrônico: pdf]. 93. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012.
SHIKO. O quinze. Rachel de Queiroz: roteiro e arte Shiko. Textos em quadrinhos. 1. ed. São Paulo: Ática, 2012.
Sem comentários