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06 Ago Estudo de caso do filme “Procura-se”
Título Original: The Vanished
Lançamento: 2021
Direção:
Peter Facinelli
Elenco:
Anne Heche
Jason Patric
John D. Hickman
Thomas Jane
Duração: 1h55
Gênero: crime/suspense
Nacionalidade: EUA
Sinopse:
Após o desaparecimento de sua filha Taylor, o casal Wendy e Paul deve fazer de tudo para encontrar respostas para esse sumiço.
Categoria: Drama / Suspense
AVALIAÇÃO DOS CRÍTICOS DE CINEMA:
“… temos um filme lento, chato, desinteressante, que parece nunca acabar.”
“A história se desenvolve criando ciclos que são cruzados por uma chave de personagens que são sempre “suspeitos”.
“Peter Facinelli assina a direção e o roteiro deste suspense estadunidense e, ainda, interpreta um dos policiais envolvidos na investigação de desaparecimento. É inegável que o seu roteiro sabe manipular o mistério e, consequentemente, a atenção e a curiosidade do espectador.”
“O filme tem um desfecho que pode ser considerado surpreendente.”
“Procura-se investe demais em detalhes e desemboca na falta de objetividade; ganha tempo onde não precisa, arrasta algumas situações sem necessidade. É um trabalho que teria maior potencial de atração se durasse menos.”
CONSIDERAÇÕES INICIAIS:
Observamos uma visão reducionista, materialista e superficial dos críticos de cinema de uma forma negativa que impossibilita aos telespectadores fazer um uso adequado das oportunidades que a “sétima arte” nos apresenta. Os filmes muito tem a nos ensinar pois inspiram reflexões significativas por ter semelhanças e muitas coincidências com os fatos da vida cotidiana. Embora sempre há o alerta de que a história é fictícia, podemos analisá-las a partir de uma perspectiva espiritualista e psicológica dos fatos que se repetem e se assemelham no cotidiano da vida real das pessoas.
Na perspectiva psicológica e espiritualista podemos analisar cada personagem e suas performances, considerando o tema central da trama que é a perda e o luto e como que de alguma forma todos se envolvem na questão do casal protagonista. Podemos destacar o desempenho do “xerife” que exerce de forma significativa a lógica e o raciocínio, indicando sinais dos estágios do luto onde o processo de negação está em evidência. Por ter tido a mesma experiência de perder um filho, ele consegue analisar e raciocinar na situação de forma empática o drama no qual o casal se expressa a partir de uma realidade paralela que sustenta a continuidade da vida deles, após a morte da filha.
Portanto ressaltamos a importância de ter uma atitude mais ativa, fazendo uso adequado dos atributos espirituais, em especial do raciocínio e da lógica quando assistimos filmes que nos ajudam a refletir sobre esse grande teatro que é o mundo Terra e no qual o ser humano utilizando de suas faculdades e de seus atributos contribuem com sua arte para o desenvolvimento e crescimento de todos os envolvidos.
Como afirma Antônio Pinheiro Guedes, no seu livro, Ciência Espírita: “Sim; o mundo é um cenário, onde se desenrolam os dramas da vida; as comédias, as tragédias e também as farsas; é mesmo, muitas vezes, um teatro de bonecos.”
OBJETIVO DO ESTUDO:
A partir de uma leitura psicológica e espiritualista, da atuação e performance dos personagens no contexto temático da história, analisar o comportamento humano e suas diversas repercussões nas relações familiares e sociais a partir de uma perda de uma filha ainda criança. Uma história fictícia que pode ser experimentada na vida real de qualquer ser humano.
TEMÁTICA DO FILME:
Em Procura-se, Wendy (Anne Heche) e Paul (Thomas Jane) viajam em um trailer com o objetivo de acampar com sua filha. Quando de repente a jovem desaparece sem deixar vestígios, o casal sai em busca da menina pedindo ajuda a todos. Ao perceberem que nenhum avanço acontece, eles decidem ser mais radicais, indo até às últimas consequências para resgatarem sua filha.
Perpassando por uma série de acontecimentos onde o casal protagonista se mostra como vítimas de uma situação de perda da filha, se envolvem nas relações patológicas com os outros personagens, mas ao mesmo tempo também revelam suas dores, frustrações e angústias existenciais. E de vítima o casal passa a serem criminosos, inconsequentes de seus atos, por viverem uma “loucura” e não conseguir superar a dor e a culpa de não ter protegido e cuidado de sua filha de 6 anos que faleceu afogada num lago, durante um passeio com os pais. A culpa por não ter podido salvar a filha é arrastada para uma vida de desequilíbrio, se envolvendo em transtornos maiores e culpando outras pessoas por sua dor.
A perda é tema central que atravessa a vida de todos os personagens, poderíamos estudar cada um deles e analisar os diversos desdobramentos relacionados aos diversos tipos de perda, frustração, remorsos, ressentimentos e depressões que constituem a história de cada personagem envolvido. Mas vamos nos ater à performance do casal protagonista para uma análise psicológica e espiritualista do tema perda e luto.
ANÁLISE:
A abertura do filme chama a atenção com um poema que nos remete à questão da dor diante de uma situação de desespero e impotência, como no caso, o desaparecimento de uma filha de 6 anos de idade.
“Após uma grande dor, um sentimento formal surge, os nervos se assentam cerimoniosos, como tumbas, o frio coração endurecido questiona: ‘foi ele quem sofria?’ o ontem ou séculos antes os pés mecânicos andam em volta no chão, no ar, em nada, seja como for crescido como uma pedra, um pedaço de quartzo; esta é a hora de chumbo. Lembrada se sobrevivida, como pessoas congeladas que se recordam da neve, frio, depois estupor, depois o desprendimento.
(Emily Dickinson)
As cenas e a contextualização do enredo nos fazem acreditar que a criança havia desaparecido e que os pais estão reagindo de forma coerente com a situação. Pode parecer para os críticos uma história chata e sem graça, mas podemos fazer uma significativa relação com a experiências vividas por pessoas reais e que podem enfrentar de forma semelhante uma perda, morte, ou separação, enfim diversas experiências que estamos sujeitos a passar nesta existência terrena. Mas quando é revelado que o casal vivencia uma ilusão e envolvem outras pessoas para que sua ilusão seja vivida como real, verdadeira para aliviar suas dores, nos impactamos com a capacidade do ser humano de ir a limites extremos quando acometido por uma dor, uma culpa ou uma morte. Um enredo que revela as angústias e sofrimentos de pessoas com crises existenciais, mas que continuam tentando seguir a vida. Podemos observar a identificação das pessoas umas com as outras solidarizando-se nas dores, mas também entrando em conflitos e revelando até seus lados mais obscuros.
Destacando a trama vivenciada pelo casal protagonista vamos ressaltar dois aspectos abordados no filme. O primeiro é em relação ao processo de luto que perpassa por algumas fases até a superação da perda. E o segundo é o diagnóstico indicado pelos profissionais que acompanharam o casal quando se referem ao termo; “Folie à Deux” que significa: “loucura a dois”, como sendo um transtorno psicótico vivenciado de forma conjunta pelo casal que cria uma realidade paralela.
Vamos começar com o processo do luto. Segundo a psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross no processo de luto a pessoa passa por cinco estágios diferentes, mas cada um vivencia o seu luto de maneira diferente e pode não passar por todas as etapas desse processo. Os cinco estágios são:
1 – Negação – nesse estágio pode ocorrer a dificuldade de aceitar a realidade da perda e se sentem atordoadas, incapazes de acreditar que essa perda ocorreu de fato.
2 – Raiva – na medida que essa realidade da perda vai se instalando as pessoas podem sentir frustração, irritação e até se sentir injustiçada. Poderá direcionar essa raiva para diferentes alvos, incluindo Deus, outras pessoas próximas ou até mesmo direcionar para a própria pessoa que faleceu.
3 – Negociação – nesse estágio as pessoas muitas vezes tendem a fazer acordos ou negociar para reverter a perda. Pode fazer orações, promessas ou tentativas de mudar comportamentos passados, na esperança de evitar a perda.
4 – Depressão – a tristeza profunda e a sensação de vazio podem se instalar à medida que a pessoa enfrenta a realidade da perda. Isso pode incluir sentimentos de desesperança, solidão e apatia.
5 – Aceitação – nesse estágio envolve a aceitação gradual da nova realidade sem a presença da pessoa ou coisa perdida. Isso não significa esquecer a perda, mas encontrar uma maneira de viver com ela. As emoções tornam-se mais estáveis e a pessoa começa a encontrar um novo equilíbrio na vida.
A depender de como cada pessoa lida com a situação da perda, considerando sua personalidade, suas experiências vividas e também o momento em que ocorre a perda a pessoa pode passar por todos esses estágios ou não. Pode ter variações no tempo de cada estágio também pode não vivenciar todos os estágios.
No caso do casal protagonista do filme podemos observar que eles estavam vivenciando os quatro primeiros estágios, negando fortemente a perda a ponto de criar uma realidade ilusória por não saber lidar com os fatos. Essa negação estava carregada por uma culpa, pois sentiam a impotência de não ter podido evitar o afogamento da filha. O casal se culpava e ao mesmo tempo se mantinham na ilusão como forma de tentar superar a perda, mas suas atitudes e escolhas levaram ao desequilíbrio desencadeando o fenômeno da “loucura a dois” (Folie à Deux”).
A “Folie à Deux” é um termo francês da psiquiatria, que significa “loucura a dois” e descreve o fenômeno em que dois ou mais indivíduos compartilham uma mesma ilusão ou delírio. E nesse caso significa que uma pessoa que sofre de um distúrbio psicótico consegue influenciar outra pessoa próxima a ela para também compartilhar das mesmas crenças delirantes.
Mas esse termo não é mais utilizado no DSM-5 (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) como uma categoria diagnóstica independente. No entanto, o conceito ainda é reconhecido como uma descrição clínica de um fenômeno compartilhado de delírio entre duas ou mais pessoas. Nesses casos é preciso intervir com tratamentos que envolvem intervenções psicoterapêuticas, medicamentos antipsicóticos e suporte social para que o casal possa restabelecer o equilíbrio na superação do luto.
No caso do filme podemos observar que o casal embarca nessa loucura a dois tentando manter o casamento que já estava comprometido pelos comportamentos de infidelidade do marido e agravou com a morte da filha. E até mesmo na encenação: é na distração do pai ao olhar a vizinha de trailer que a esposa percebe a situação e deflagra o momento do suposto desaparecimento da filha e inicia todo o contexto da trama.
Somente com a intervenção insistente do policial, o xerife, que está mais atento aos fatos e vai raciocinando como está as atitudes do casal e percebe a necessidade de outras intervenções como o apoio psicológico e é a partir dessas intervenções que se dá o despertar do marido que se mostra exausto pelo sofrimento e decide por dar um basta no jogo estabelecido entre ele e a esposa. Ao decidir jogar fora todos os pertences e lembranças da filha falecida, ele obriga a esposa a romper com toda a ilusão criada e oferece apoio a esposa mantendo o vínculo e a aceitação da situação e “parece” surgir uma iniciativa de continuarem com suas vidas. Mas na cena final podemos ver a resistência da mãe em se firmar nessa mudança e parece insistir nessa ilusão de continuar vivendo como se a filha ainda estivesse presente em suas vidas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
O filme pode parecer desinteressante pela forma como a trama é desenvolvida e na visão dos críticos de arte pode estar fora daquilo que o público busca como entretenimento.
Por outro lado, se assistimos ao filme com um olhar reflexivo no que refere ao comportamento humano e suas relações com as experiências de dores e sofrimentos que certas situações nos provocam podemos extrair interessantes reflexões.
Cada um de nós expressa individualidades e particularidades específicas de cada ser o que nos torna seres únicos e irrepetíveis, portanto a forma de enfrentar as experiências que vivenciamos nesta existência terrena é também muito único e particular de cada um. Certas situações podem ocorrer com todos nós, como por exemplo a perda de um filho, mas a forma como cada um irá passar por essa situação é bem específico e devemos considerar como a pessoa interpreta os fatos ocorridos e decide reagir a eles de acordo com seus sentimentos e pensamentos em relação ao fato em si.
No exemplo em questão, o casal protagonista do filme não consegue enfrentar a realidade da morte da filha, estabelecem viver uma realidade paralela à qual tenta fazer parecer real de forma a conseguir conviver com a situação, mas por outro lado se paralisam na negação dos fatos e culpam as pessoas por estarem sofrendo todo aquele drama.
O impacto psicológico de um sofrimento na vida das pessoas tem repercussões significativas e podem perdurar por um longo período após o fato ocorrido. Os sofrimentos fazem parte de nossa existência, a diferença está em como escolhemos enfrentar esse sofrimento a partir dos recursos materiais e espirituais que podemos lançar mão resgatando em nós o que há de mais profundo, nossa essência e nossa espiritualidade. Cada ser, na sua essência espiritual carrega uma bagagem de outras existências e poderá utilizar dessa bagagem conforme seu grau de evolução.
O sofrimento causado por uma perda pode comprometer a nossa vida, nos impedindo de se abrir para outras experiências da vida e das relações com outras pessoas e assim nos embrutecemos e nos fechamos para a realidade da vida e nos obrigamos a viver numa ilusão, construída na base de delírios e alucinações, de uma realidade fantasiosa que possa amenizar nossas culpas. Por outro lado, se pensarmos que essas experiências que nos causam dor e sofrimento podem nos possibilitar a oportunidade de nos permitir superar essa perda identificando um sentido para os acontecimentos, um sentido que poderá transformar uma tragédia pessoal num triunfo ou converter o nosso sofrimento numa conquista humana. Mas para isso é preciso se posicionar a partir de uma escolha positiva, uma escolha que direciona para uma transformação e nem sempre todas as pessoas conseguem fazer essa escolha sozinhas e precisam aceitar ajuda seja de profissionais e/ou de familiares.
Considerando essa individualidade e particularidade de cada ser, acrescentamos nessa análise a importância de se considerar a perspectiva da espiritualidade, mais especificamente a filosofia do Racionalismo Cristão que tem por finalidade esclarecer, orientar e espiritualizar as pessoas para que compreendam que a morte não interrompe a vida e que as dores e sofrimentos acarretam inquietações por não ter um entendimento espiritualista e não conhecer sobre a existência e a vida eterna do espírito.
A falta de espiritualidade tem levado os seres humanos a viver de forma conturbada, inquieta e perturbadora, desencadeando desequilíbrios nas relações com as pessoas e desequilíbrios emocionais como transtornos de personalidades afetando sua vida pessoal, familiar e profissional. E vale lembrar que essa espiritualidade da qual nos referimos nada tem a ver com religiosidade, pois na religião podem ser encontradas soluções “mágicas ou milagrosas” que podem acarretar em mais ilusões.
Buscar se conhecer como Força e matéria, como espírito que se propõe a vivenciar uma experiência humana da qual poderá adquirir aprimoramento e crescimento espiritual, pois as experiências terrenas nos proporcionam campos férteis e úteis a esse crescimento espiritual que levará a patamares mais altos da sua evolução. Quando não se abre para esse conhecimento e se fecha na materialidade, resistente aos fatos e à realidade da vida, está se abrindo portas para influências devastadoras na vida da pessoa. Estamos falando da vulnerabilidade que permite que forças negativas, existentes na atmosfera fluídica da terra se aproveitem para influenciar e manipular as ações de acordo com suas intenções de alienar e entorpecer aqueles que resistem em se esclarecer.
O contexto abordado no filme em questão nos convida a refletirmos sobre como enfrentamos essas experiências terrenas, em particular a questão da morte, que deve ser encarada como algo constituinte da vida, no qual um ciclo se fecha para dar oportunidade de nos abrirmos para um novo ciclo entendendo que o ciclo da vida é contínuo. Para esse entendimento é necessário se permitir conhecer, conhecer sua origem, sua existência atual e sua razão de estar nesse mundo e para onde irá após esse ciclo na vida terrena. Esses questionamentos devem mobilizar a vontade intrínseca em cada ser humano e que somente através de dores, perdas, ilusões e desilusões se desperta para buscar algo que transcende à materialidade da vida.
Em seu livro: A morte não interrompe a vida, pg. 70, 11° edição; Luiz de Souza afirma:
“Quase sempre as inquietações provêm da falta de confiança em si, e também das leis evolutivas. Tudo está dirigido no todo Universal, onde não há o acaso. Logo, as coisas na vida, respeitado o livre-arbítrio, acontecem segundo essas leis naturais e imutáveis, e, uma vez que se ande em paz com a consciência, nada deve inquietar.”
Cabe a todos nós avaliarmos nossa condução no viver terreno, identificar o que nos inquieta, o que está nos perturbando para fazermos as devidas análises de consciência e tentar identificar caminhos mais saudáveis e adequados às circunstâncias.
No filme podemos refletir sobre diversas situações e circunstâncias que inquietam a todos, cada um experimentando relações diversas, mas que servem a cada um na sua particularidade e necessidade para sua evolução espiritual.
Buscar se esclarecer e se espiritualizar é um caminho de crescimento!
Por: Cristina Araújo Leão
Psicóloga e Militante na filial BH do Racionalismo Cristão
16/01/2024
REFERÊNCIAS
Sobre a Morte e o Morrer, Elizabeth Kubler Ross disponível em:<https://cursosextensao.usp.br/pluginfile.php/48564/mod_resource/content/1/Texto%20base.pdf > pesquisado em 15/01/2024
TRANSTORNO DELIRANTE INDUZIDO – Folie à deux disponível em: <https://www.scielo.br/Foliedeux/transtorno,relacionada a origem > Pesquisado em 15/01/2024
NERY, Alberto. A vida sempre tem um sentido? 1 Edição – São Paulo: Planeta do Brasil, 2023
SOUZA, Luiz de. A morte não interrompe a vida, 11ª ed. R.J.2016
MATTOS, Luiz de. Racionalismo Cristão, 28ª Ed. R.J. 1971
GUEDES, Antônio Pinheiro. 7ª Ed. R.J. 1983
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